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domingo, 24 de março de 2019

O Estatuto é um só, as infâncias são muitas

Fonte: INESC
Por Márcia Acioli, assessora política do Inesc
O desafio posto é fazer com que o Estatuto da Criança e do Adolescente se 
concretize nas diversas comunidades e contextos,  assegurando o mesmo acesso a 
direitos, ainda que as condições sejam múltiplas

Tirinha do Armandinho cedida por Alexandre Beck para publicação no site do Inesc
Dia Mundial da Infância


"A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar." Mia Couto


Tratar de infância significa falar de um colorido sem fim que cobre o mundo. Não se trata de um único modo de ser, mas de infinitos, tanto quanto crianças há sobre a terra. A diversidade é o que caracteriza a natureza humana.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

A infância poética e querida, tal como a conhecemos no mundo moderno, além de ter sido fruto de uma longa construção histórica e antropológica, não é – e nunca foi – igual para todas as crianças. Nem todas que habitam um mesmo território, ou fazem parte da mesma família desfrutam de modo igual de suas condições de existência.

As desigualdades e a pobreza impulsionam crianças a um amadurecimento precoce, forjam um lapso da vida subtraindo delas o direito humano de brincar. O trabalho precoce agride seus corpos e tortura suas mentes. A atividade laboral as impede de se desenvolver na interação permanente com outras crianças. O trabalho de crianças representa o esmagamento do direito de serem protegidas.

Desigualdade na infância

Há infâncias cujos povos não são reconhecidos. Esta forma de opressão intenciona provocar o silenciamento ou até o desaparecimento de coletividades. Sem voz não há plenitude. Crianças expulsas de suas terras e, privadas de seus territórios, perdem contato com as suas referências e ancestralidades. Corta-se o fio que as conecta a outras gerações.

Há crianças amadas e outras não queridas, determinando ora preferências, ora descasos e negligências na própria família ou na escola. Outras são treinadas para o sucesso e se privam de experiências lúdicas com uma sobrecarga de compromissos.Crianças de cores diferentes experimentam a vida de formas diferentes. Privilégios e intolerâncias determinam suas vivências.

Nos discursos institucionais, a infância costuma ser tratada como um ‘vir a ser’ de um futuro distante como se a sua condição presente estivesse presa ao fardo de se responsabilizar pela construção de um ‘depois feliz’ para o país e, quiçá, para o mundo. O papel da criança, neste caso, estaria vinculado unicamente à sua futura participação na vida adulta. Portanto, falar de infâncias também exige um olhar sobre seus territórios e suas comunidades. Não há infância sem suas complexas relações familiares, comunitárias e ambientais.

Outra concepção usual de infância a considera propriedade dos adultos (herança do Código de Menores, lei que antecede o ECA), perspectiva que permite uma infinidade de violências e de abusos.

Fundamentado na doutrina da Situação Irregular o Código de Menores permitia às autoridades recolherem crianças que estivessem desprotegidas nas ruas como se elas mesmas fossem responsáveis pelo próprio abandono. Nesta concepção o espaço público é hierarquizado e as crianças indesejáveis (negras e pobres) eram tidas como ‘sujeira’. Ao poder público cabia ‘higienizar’ as ruas livrando-as dos sujeitos considerados incômodos.

ECA: paradigma da proteção integral

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) nasce pelos movimentos populares para inaugurar uma nova lógica. Pela primeira vez, se reconhece no Brasil a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. O ECA nomeia a família, a sociedade e o poder público como responsáveis pela proteção e pelo desenvolvimento de todas e de cada criança e de cada adolescente. Entre a universalidade e a particularidade, o ECA acolhe a todas no princípio da prioridade absoluta.

Em vez de se recolher crianças, o ECA obriga um conjunto de instituições a promover direitos. O paradigma da Proteção Integral constitui um abraço simbólico em cada criança por todas as políticas públicas e por toda a sociedade de tal maneira que, se a família estiver fragilizada e não der conta de seu papel, outro setor estará presente enquanto o núcleo familiar também é amparado.

Em tempos de retrocessos e exacerbação das intolerâncias e violências, crianças e adolescentes são alvos fáceis. O PSL, partido do presidente Bolsonaro, move uma ação contra os dispositivos do ECA que impedem a detenção de crianças e adolescentes para averiguação por motivo de perambulação nas ruas. O objetivo é ressuscitar a lógica seletiva, elitista e perversa que fundamentava o antigo Código de Menores. Recolher seria a palavra de ordem, restrição da liberdade, nada mais.

A liberação de armas de fogo, por exemplo, representa um perigo objetivo: o de morrer ou ver morrer um familiar. As armas têm uma mira precisa. Apontam para as cabeças de moradores das favelas, população negra. Não há bala perdida, há bala que faz vítimas. A bala encontra corpos. Corpos negros com endereço certo. Estudo do Unicef (2017) revela dados sobre a raça/cor das vítimas de homicídio no Brasil: 75% dos mortos são negros ou multirraciais, 18% brancos, 7% das vítimas não possuem raça/cor declarada.

O desafio posto é fazer com que o Estatuto da Criança e do Adolescente se concretize nas diversas comunidades e contextos, assegurando o mesmo acesso a direitos, ainda que as condições sejam múltiplas. O importante é que o ECA garanta a dignidade e o pleno desenvolvimento, respeitadas as diferenças étnicas, culturais e pessoais, entre outras. Só com a convergência de todas as políticas públicas, com maior atenção aos que mais necessitam, é possível assegurar o pleno desenvolvimento e o direito de ser feliz de um conjunto tão diverso de crianças que compõe o que chamamos de infância.

Pesquisa do Ipea apresenta que jovens possuem menor chance de serem contratados e maior de serem demitidos

Fonte: IPEA
Pesquisa do Ipea mostra uma retração de 1,3% na ocupação para este grupo

Atualmente, o Brasil conta com 12,7 milhões de desempregados, que têm permanecido cada vez mais tempo nessa situação. Os mais jovens continuam sendo os mais afetados. Além de registrar uma retração de 1,3% na ocupação no trimestre móvel encerrado em janeiro, o grupo entre 18 e 24 anos possui a menor probabilidade de ser contratado e tem a maior chance de ser demitido. Os dados constam na seção Mercado de Trabalho da Carta de Conjuntura divulgada nesta quarta-feira, 20, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os cálculos são feitos a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, e do Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda.

Após iniciar o ano de 2018 com claros sinais de dinamismo, avançando 2,0% em termos interanuais, o crescimento da população ocupada desacelerou, de modo que, no trimestre móvel encerrado em janeiro deste ano, o aumento observado foi de 0,9%. A análise do Ipea mostra que o mercado de trabalho não vem apresentando melhora substancial: sua retomada ocorre, basicamente, nos setores informais da economia e, dos postos de trabalho formais, um em cada quatro empregos criados são contratos em tempo parcial ou intermitentes. O ritmo de criação de novas vagas formais vem perdendo fôlego nos últimos meses, considerando tanto os dados da Pnad Contínua, quando os do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged). Além disso, o grupo dos desalentados e dos subocupados continua crescendo.

Essa lenta recuperação do mercado de trabalho – traduzida na manutenção de uma taxa de desemprego alta e persistente, principalmente entre os menos escolarizados – vem gerando aumento no número de domicílios que declararam não possuir renda de trabalho e nos domicílios de renda de trabalho muito baixa. O Brasil registrou cerca de 16 milhões de casas sem renda proveniente do trabalho no último trimestre de 2018, o que equivale a 22,2% das quase 72 milhões de residências no país. No último trimestre de 2017, a proporção era de 21,5%. O número é o maior para o período em seis anos e superior ao registrado antes da recessão do final de 2013 (18,6%).

“Essas famílias até podem possuir outra renda, como aposentadoria ou proveniente de programas sociais, mas nenhuma fruto do trabalho”, explica Maria Andréia Lameiras, pesquisadora do Grupo de Conjuntura do Ipea e coautora do estudo com os pesquisadores Carlos Henrique Leite Corseuil, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, e Sandro Sacchet de Carvalho.

A proporção dos domicílios de renda mais alta (superior a R$ 16 mil por mês) avançou levemente na comparação do último trimestre de 2017 com o mesmo período de 2018: de 2% para 2,1%, respectivamente, apesar de terem recuado em relação a anos anteriores. Já as fatias de domicílios de renda baixa (até R$ 2.396,57) e média (de R$ 2.396,57 até R$ 16 mil) mantiveram-se estáveis em 42% e 35%, respectivamente. Em relação aos salários, mesmo com o crescimento da renda dos mais pobres, desde o início de 2018 a renda dos mais ricos cresceu três vezes mais. A média da renda média domiciliar dos mais pobres variou 0,84% no período, enquanto que a dos mais ricos cresceu 2,6%.